NEUROCISTICERCOSE
A infestação pela larva da Taenia solium, o Cysticercus cellulosae, é a parasitose do SNC mais comum em nosso meio.
(A larva da T. saginata, o Cysticercus bovis, não parasita o homem).
A incidência em necrópsias de um hospital geral ( foi de 3 % acima de 2 meses de idade (Hellmeister e Lopes de Faria, 1972).
As lesões são crônicas, não raro graves ou letais, atingindo população jovem e economicamente ativa.
Na Clínica Neurológica em nosso país a idade média no início do quadro foi de 20 anos e a duração média da doença 10 anos.
O homem é o hospedeiro definitivo da Taenia solium.
Abriga no intestino o verme adulto (solitária), e elimina nas fezes os proglotes maduros contendo ovos embrionados (embrióforos).
Estes, ingeridos pelo hospedeiro intermediário (porco), perdem a casca por ação do suco gástrico.
Os embriões (oncosferas) penetram na mucosa gástrica e vão por via sanguinea aos tecidos, onde se desenvolvem em cisticercos.
A ingestão de carne suína mal cozida, contaminada com cisticercos, leva ao desenvolvimento da tênia no intestino humano, completando-se o ciclo.
O homem pode servir de hospedeiro intermediário quando ovos de T. solium chegam ao estômago, o que pode ocorrer em três condições:
a) heteroinfestação, mais comum, quando são ingeridos ovos contidos em água ou alimentos contaminados com fezes humanas ou manipulados por portadores de teníase;
b) autoinfestação externa: portadores de teníase que se autocontaminam com ovos pela via fecal-oral;
c) autoinfestação interna, resultante de suposto refluxo de conteúdo intestinal para estômago (duvidosa).
Uma vez na circulação, os embriões se distribuem em todo o organismo, mas só aqueles que atingem tecidos onde o microambiente é favorável se desenvolvem em larvas.
O SNC é a sede mais comum e, menos freqüentemente, os globos oculares, músculo esquelético e tecido celular subcutâneo.
A localização nos dois últimos é assintomática.
No olho o cisticerco geralmente se situa na coróide e com seu crescimento descola a retina ou a perfura e ganha o humor vítreo. Causa reação inflamatória, como exsudato no vítreo, irites, iridociclites, uveítes, catarata e panoftalmia.
A evolução é para opacificação dos meios e cegueira.
Anatomia Patológica
Localização.
No SNC a infestação costuma ser múltipla. Em 70% dos casos há vesículas na leptomeninge da convexidade cerebral; em 35% no parênquima, com preferência pela substância cinzenta; em 16% nos ventrículos, especialmente no IVº ventrículo; em 9% nas cisternas da base.
A localização espinal é rara.
Formas de cisticerco: Há duas, cellulosae e racemosa
A forma mais comum é a cellulosae, que consiste de vesícula esférica (1-2 cm), contendo líquido límpido e incolor.
A cabeça da larva ou escólex está invaginada na vesícula e presa à parede interna por um colo.
Cortes do escólex revelam formações tubulares revestidas por epitélio, que constituem o aparelho digestivo rudimentar.
Por vezes notam-se acúleos, que a larva utilizará para fixar-se no intestino.
A membrana da vesícula tem uma camada quitinosa externa delgada, mas densa e com microvilosidades, que faz contato com o hospedeiro.
Mais internamente há outra camada, mais espessa e frouxa, com canalículos. A membrana é responsável pela absorção de nutrientes.
Os cisticercos nas meninges da convexidade e no tecido nervoso são do tipo cellulosae e comumente causam apenas discreta reação inflamatória crônica.
Pode formar-se fina cápsula fibrosa em torno do cisticerco se estiver na leptomeninge ou uma camada de gliose se no parênquima.
A sobrevida do parasita pode ser até de alguns anos (de 3 a 6).
Quando morre, a liberação de antígenos agrava a reação inflamatória. A larva necrótica pode sofrer calcificação ou desaparecer.
Larvas nos ventrículos são também mais freqüentemente do tipo cellulosae e chegam através do plexo coróideo.
Podem ser arrastadas pelo líquor para o espaço subaracnóideo ou ficar aprisionadas nos ventrículos, onde podem causar bloqueio súbito com hipertensão intracraniana aguda.
Mais comumente situam-se no IVº ventrículo, onde aderem ao epêndima por reação inflamatória crônica e gliose, levando a hidrocefalia.
Quando cisticercos se localizam nas cisternas da base ou nos ventrículos podem sofrer transformação em que novas vesículas brotam da membrana, tomando aspecto de bagos de uva.
Esta forma chama-se cisticerco racemoso. No processo, perde o escólex.
A forma racemosa expande-se no espaço subaracnóideo da base e pode penetrar no sulco de Sylvius ou na fissura interhemisférica. Forma cistos volumosos (3 ou mais cm.), ocupa espaço e desloca estruturas, com desvio da linha média e eventualmente hérnias.
Os cisticercos racemosos provocam reação inflamatória intensa na leptomeninge, com granulomas e fibrose que dificultam a circulação liquórica (leptomeningite crônica cisticercósica).
Os vasos da base podem mostrar endarterite produtiva, com espessamento da íntima e trombose, causando infartos no encéfalo.
Quadro clínico
A neurocisticose pode ser assintomática, por exemplo, quando vesícula cellulosae única se localiza em região silenciosa como os lobos frontais. Pode também originar sinais e sintomas variados, que são agrupados em síndromes:
a) Síndrome de hipertensão intracraniana, que pode ser devida a meningite crônica de base, obstrução ventricular por vesículas e/ou ependimite, formas racemosas que se apresentam como lesões expansivas ou edema cerebral relacionado à presença de parasitas.
b) Síndrome convulsiva: predominam crises localizadas do tipo Bravais-Jackson, com generalização secundária.
Na Clínica Neurológica a neurocisticercose foi causa de 15% das epilepsias atendidas no Ambulatório. Em 40% dos casos havia alterações no EEG. Crises convulsivas devem-se à irritação crônica do córtex cerebral pela reação inflamatória e gliose.
c) Com menor freqüência podem também ser observadas síndromes psiquiátricas e sinais de localização, como hemiparesias, distúrbios cerebelares ou disfunções dos nervos cranianos.
O diagnóstico de neurocisticercose baseia-se no exame do líquor e em exames de imagem.
O LCR apresenta pleocitose, com cerca de 50 céls./mm3 (normal 0-3), predomínio de linfomononucleares, eosinofiloraquia (em dois terços dos casos há mais de 2% de eosinófilos) e reações imunológicas positivas, entre elas a reação de fixação do complemento ou de Weinberg.
Há também hiperproteinoraquia (30 a 70 mg/100 ml), mas a glicoraquia permanece normal.
Na cisticercose racemosa estas alterações podem ser mais acentuadas.
A RESSONÂNCIA MAGNÉTICA CEREBRAL & TOMOGRAFIA
COMPUTADORIZADA CEREBRAL
Permite o diagnóstico em 99% dos casos, demonstrando número, tamanho e localização das vesículas e calcificações, e revela se há hidrocefalia e edema cerebral.
Vesículas totalmente circundadas por líquor, como as intraventriculares, só são demonstradas por ressonância magnética.
Esta, contudo, não é adequada para demonstrar parasitas calcificados. A radiografia simples de crânio só é de valia em casos com calcificações (10 a 16%) e estas só se formam após alguns anos.
Tratamento.
Atualmente a neurocisticercose pode ser tratada por via oral pelo praziquantel, um antihelmíntico pirazino-isoquinoleínico.
O agente atinge no cérebro concentração de 1/7 dos níveis plasmáticos e mata os cisticercos.
Tomografias mostram regressão das vesículas.
Formas intraparenquimatosas respondem melhor que as intraventriculares; para estas pode ser necessária extração cirúrgica.
O início do tratamento pode ser acompanhado por acentuada piora clínica, devida à liberação de antígenos e exacerbação da reação inflamatória.
Por isso, os pacientes precisam permanecer internados.